Capítulo 2 - Puntarenas
Dinossauros

Capítulo 2 - Puntarenas


— A menina já está se sentindo bem melhor agora, creio — disse o dr. Cruz, baixando o plástico da tenda de oxigênio em torno de Tina, que repousava. Mike Bowman sentou-se ao lado da cama, próximo à filha. Concluiu que o dr. Cruz era muito capaz. Falava inglês excelente, graças ao treinamento em centros médicos de Londres e Baltimore. Irradiava competência, e a Clínica Santa Maria, o moderno hospital de Puntarenas, era imaculado e eficiente.



Mesmo assim, Mike Bowman se sentia muito nervoso. Não havia como negar o fato de que sua única filha estava seriamente doente, e eles muito longe de casa.


Quando encontrara Tina, ela chorava histericamente. O braço esquerdo coberto de sangue mostrava uma série de pequenas dentadas, cada uma delas do tamanho de um polegar. E havia trechos cobertos por uma espuma pegajosa, como saliva.


Ele a tirara da praia. Seu braço começara a inchar e a ficar vermelho em seguida. Mike demoraria muito para se esquecer da viagem frenética de volta para a civilização, o Land Rover com tração nas quatro rodas derrapando e deslizando na estrada enlameada pelas montanhas, enquanto a filha gritava de dor e pânico, o braço cada vez mais inchado e vermelho. Muito antes de chegarem à entrada do parque o pescoço de Tina começara a inchar também e a menina passara a respirar com dificuldade.


— Será que vai ficar boa? — Ellen perguntou, olhando para dentro da tenda de oxigênio.



— Creio que sim. Tomou uma nova dose de esteróides e a respiração está quase normal. E, como podem ver, o edema no braço reduziu-se bastante — mostrou o dr. Cruz.


— E quanto às mordidas? — Mike Bowman quis saber.


— Ainda não as identificamos. Pessoalmente, nunca vi mordidas assim antes. Mas, como podem notar, estão desaparecendo
 
Quase não dá mais para vê-las. Felizmente tirei fotografias para pesquisa. E lavei o braço, coletando amostras daquela saliva pegajosa: uma será analisada aqui, outra enviada a um laboratório em San José. Congelaremos uma também, caso seja necessária no futuro. Têm o desenho que ela fez?



— Sim. — Mike Bowman entregou ao médico o esboço de Tina, feito a pedido dos médicos.


— Então este foi o animal que a mordeu? —- indagou o dr. Cruz, examinando o desenho.


— Sim — confirmou Mike Bowman. — Segundo ela, trata-se de um lagarto verde, do tamanho de uma galinha ou um corvo.


— Não conheço tal lagarto — comentou o médico. — Ela o desenhou em pé, sobre as patas traseiras.


— Isso mesmo. Disse que andava assim.


O dr. Cruz franziu a testa, examinando o desenho por mais algum tempo.


— Não sou especialista no assunto. Pedi ao doutor Guitierrez que desse um pulo até aqui. Ele é o pesquisador titular da Reserva Biológica de Carara, do outro lado da baía. Talvez possa identificar o animal para nós.


— Não há ninguém de Cabo Blanco? — Bowman perguntou. — Ela levou a mordida lá.


— Infelizmente não há. Cabo Blanco não possui uma equipe fixa, e nenhum pesquisador trabalhou lá recentemente. Vocês foram as primeiras pessoas a pisar naquela praia nos últimos meses, creio. Mas verão que o doutor Guitierrez é um especialista competente.


O dr. Martin Guitierrez era um sujeito barbudo, usando short caqui e camisa. Surpreendentemente, era norte-americano. Ao ser apresentado à família Bowman, disse com um leve sotaque sulista:


— Senhor e senhora Bowman, muito prazer em conhecê-los. — Depois explicou que era biólogo de Yale, realizando pesquisas de campo na Costa Rica havia cinco anos.


Examinou Tina minuciosamente, erguendo seu braço com cuidado, iluminando as mordidas com uma lanterna de bolso, medindo-as com uma pequena régua. Depois de algum tempo, afastou-se, balançando a cabeça como se tivesse compreendido algo importante. Verificou as fotos Polaroid e fez várias perguntas sobre a saliva, que segundo Cruz fora enviada ao laboratório para os testes.


Finalmente dirigiu-se a Mike Bowman e esposa, que aguardavam tensos.


— Creio que Tina vai ficar boa. Gostaria apenas de esclarecer alguns detalhes. — Tomando notas com mão firme, prosseguiu: — Sua filha disse que foi mordida por um lagarto verde, com aproximadamente trinta centímetros de altura, que andava de pé, na praia, perto do manguezal?


— Isso mesmo.


— E o lagarto fazia uma espécie de ruído.


— Tina disse que assobiava, ou guinchava.


— Como um rato?


— Sim.


— Muito bem. Conheço esse lagarto. — Ele explicou que das seis mil espécies de lagarto existentes no mundo, cerca de uma dúzia somente andava sobre as patas traseiras. Destas, apenas quatro eram encontradas na América Latina. E, a julgar pela cor, o lagarto só poderia pertencer a uma delas. — Tenho certeza de que é um Basiliscus amoratus, um lagarto listrado existente aqui na Costa Rica e também em Honduras. Anda sobre as patas traseiras e atinge até trinta centímetros de altura.


— Sabe se é venenoso?


— Não, senhor Bowman, de modo algum. — Guitierrez explicou que o inchaço no braço de Tina se devia a uma reação alérgica. — De acordo com a literatura, quatorze por cento das pessoas sofre de alergia intensa em relação aos répteis. Ao que parece, sua filha pertence ao grupo.


— Ela gritou tanto, disse que doía muito.


— Provavelmente. A saliva dos répteis contém serotonina, capaz de causar uma dor intensa. — Guitierrez dirigiu-se a Cruz: — A pressão sangüínea normalizou-se com o anti-histamínico?


— Sim — Cruz confirmou. — Instantaneamente.


— Serotonina, sem dúvida — disse Guitierrez.


— Afinal de contas, por que o lagarto a mordeu? — perguntou El-len Bowman, ainda receosa.


— Mordidas de lagartos são muito comuns — contou Guitierrez. — Tratadores de animais nos zoológicos levam mordidas com freqüência. Outro dia mesmo soube que um lagarto mordeu uma criança em seu berço, em Amaloya, a cerca de noventa quilômetros do local onde vocês estavam. As mordidas acontecem. Só não sei bem por que sua filha foi mordida tantas vezes. O que ela fazia naquele momento?


— Nada. Estava quieta, parada, para não assustar o animal.


— Quieta? — Guitierrez repetiu, intrigado. Balançou a cabeça. — Bem, não sabemos exatamente o que ocorreu. Animais silvestres são imprevisíveis.


— E quando à saliva espumante no braço? — Ellen questionou. — Tenho medo da raiva.


— Nenhum problema. Um réptil não pode ser portador de raiva, senhora Bowman. Sua filha sofreu uma reação alérgica à mordida de um lagarto basilisco. Nada sério.


Mike Bowman mostrou a Guitierrez o desenho feito por Tina. Guitierrez confirmou com um gesto.


— Eu consideraria isso um retrato do lagarto basilisco — disse. — Alguns detalhes não conferem, claro. O pescoço é muito longo, e ela desenhou apenas três dedos nas patas traseiras, em vez de cinco. A cauda é muito grossa, e muito levantada no ar. Mas, fora isso, trata-se do lagarto a respeito do qual falei.


— Mas Tina insistiu que o pescoço era longo. — Ellen Bowman não se deu por satisfeita. — E afirmou que havia três dedos na pata traseira.


— Tina é uma boa observadora — contribuiu Mike Bowman.


— Acredito que sim — assentiu Guitierrez, sorrindo. — Mas ainda assim penso que sua filha foi mordida por um Basiliscus amoratus comum, apresentando uma reação alérgica forte. A recuperação normal, com estes medicamentos, leva doze horas. Estará bem pela manhã.

No moderno laboratório no porão da Clínica Santa Maria, chegou a notícia de que o dr. Guitierrez identificara o animal que mordera a menina americana. Apenas um inofensivo lagarto basilisco. Imediatamente a análise da saliva foi suspensa, embora um fracionamento preliminar tivesse mostrado proteínas de peso molecular extremamente alto, com atividade biológica desconhecida. Mas o técnico da noite estava muito atarefado, e colocou as amostras de saliva no congelador. Na manhã seguinte o encarregado verificou as amostras, conferindo o nome dos pacientes que receberam alta. Vendo o nome "Bowman, Christina L." entre os liberados, jogou fora as amostras de saliva. No último momento, o funcionário percebeu que uma das amostras exibia a tarja vermelha, indicando que deveria ser enviada para o laboratório da universidade de San José. Ele retirou o tubo de ensaio da cesta de lixo e o mandou para lá.


— Vamos embora. Agradeça ao doutor Cruz — ordenou Ellen Bowman, puxando Tina.


— Muito obrigada, doutor Cruz — Tina disse. — Eu me sinto bem melhor agora. — Ergueu-se, apertando a mão do médico. — Está usando uma camisa diferente.


Por um momento o médico ficou perplexo; depois sorriu.


— Isso mesmo, Tina. Quando passo a noite de plantão no hospital, mudo a camisa pela manhã.


— Mas não a gravata.


— Não. Apenas a camisa.


— Mike disse que ela era observadora — Ellen Bowman comentou.


— Certamente. — O dr. Cruz também sorriu ao apertar a mão
 
da menina. — Aproveite bem suas férias na Costa Rica, Tina.



A família Bowman estava de saída quando o dr. Cruz chamou:


— Ah, Tina, ainda se lembra do lagarto que a mordeu?


— Claro.


— Lembra-se dos pés?


— Claro.


— Tinha dedos?


— Sim.


— Quantos dedos você viu?


— Três — ela disse.


— Como tem certeza?


— Porque eu olhei. Sabe, os pássaros na praia deixam marcas na areia, com os três dedos, assim. — Ela ergueu a mão, abrindo três dedos para mostrar. — O lagarto deixou marcas iguais na areia.


— O lagarto deixou marcas iguais às dos pássaros?


— Deixou — Tina confirmou. — Ele andava como se fosse um pássaro, também. Mexia a cabeça assim, para cima e para baixo. — Tina deu alguns passos, balançando a cabeça para imitar o lagarto.


Depois da partida da família Bowman, o dr. Cruz resolveu relatar a conversa ao dr. Guitierrez, na unidade de pesquisa biológica.


— Admito que a história da menina é intrigante. Tomei a iniciativa de fazer algumas pesquisas. Não tenho tanta certeza de que ela foi mordida por um lagarto basilisco. Há dúvidas.


— Mas o que pode ter sido, então?


— Bem — disse Guitierrez —, não vamos tirar conclusões precipitadas. Por falar nisso, soube de outras mordidas de lagartos no hospital?


— Não, por quê?


— Por favor, se souber de mais algum caso, me avise.



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